O Ecofogão utiliza 50% menos madeira do que os outros fogões, não suja as panelas
Maya Santana
É como fazer uma revolução. Substituir o velho fogão de lenha, aquele mesmo em que a vovó cozinhava, por um fogão, também a lenha, mas totalmente correto em termos ecológicos: praticamente não gera fumaça nem fuligem; utiliza 50% menos lenha, aproveita melhor a energia, ocupa pouco espaço e ainda tem a vantagem de ser portátil. Tudo isso, mantendo aquele sabor caseiro gostoso, que só o fogão de lenha dá à comida. Assim é o Ecofogão, o “fogão verde” idealizado pelo engenheiro florestal brasileiro Rogério Carneiro de Miranda para ajudar famílias pobres centro-americanas, em Honduras e na Nicarágua. O projeto foi considerado tão inovador que ganhou de uma fundação inglesa o prêmio The Ashden Awards, na categoria de energia renovável . Agora, depois de 13 anos vivendo em diferentes países latino-americanos, Miranda trouxe o Ecofogão para o Brasil.
Pro-Leña – A história do ecofogão começa na década de 90, quando, desiludido com o governo Collor, Miranda foi viver em Honduras. “Logo que cheguei, comecei a procurar emprego como engenheiro florestal. Mas o mercado era muito pequeno e eu mal falava a língua”, conta ele. Disposto a encontrar o que fazer, chamou sua atenção a importância da lenha na vida das pessoas da região. “Para você ter uma idéia, quase 60% das casas em Honduras e na Nicarágua usam lenha e 70% de toda a madeira consumida nos dois países é para cozinhar.” Mesmo assim, os governos latino-americanos não se preocupam com esta madeira de uso doméstico. “Ninguém quer trabalhar com isso que, na verdade, é um grande problema social.” Como no Brasil, as autoridades de lá se preocupam, segundo Miranda, “só com as outras duas fontes de energia doméstica: o gás e a eletricidade, energias consumidas pelas camadas que têm mais dinheiro”. Vendo nessa situação “um campo aberto”, ele decidiu criar a ong Pró-Leña, “Para lidar com a lenha de uma maneira mais moderna e ecologicamente sustentável.”
Perigo mortal – Na pesquisa que fez, Miranda constatou que os fogões usados eram muito primitivos. “Juntavam três pedras e colocavam a panela em cima. Não havia chaminé nem nada, tecnologia da idade da pedra”. Além de perder quase toda a energia gerada pela queima da lenha, gastavam quase “uma árvore” toda vez que iam cozinhar. Isso, sem contar o problema da exposição à fumaça, já comprovada pela Organização Mundial da Saúde como uma das principais causadoras de infecções pulmonares. O engenheiro diz que leu bastante sobre o assunto e ao entrar em contato com grupos na internet interessados em fogão de lenha, acabou descobrindo o médico Kirk Smith, da Universidade de Berkeley, nos EUA, especialista em problemas de saúde relacionados ao uso da lenha e do carvão mineral. Foi através da leitura de livros e de outros estudos do Dr Smith que tomou conhecimento, por exemplo, de que uma mulher que cozinha o dia inteiro num fogão desses equivale a ter fumado dois maços de cigarro. Dos seis bilhões de seres humanos no planeta, dois bilhões e 400 milhões cozinham com lenha, a grande maioria em fogões muito toscos. A exposição à fumaça da lenha mata mais gente do que a malária. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, é a oitava principal causa de morte no mundo.
Ecofogão – Consciente disso, partiu para o projeto do fogão ecológico. “Quando usamos lenha para cozinhar, o que queremos, na verdade, é o calor, a energia, e não a fumaça ou a fuligem. Então, pensamos em desenvolver um fogão que fizesse exatamente isso, um fogão compatível com a vida do século XXI.” Primeiro, conseguiu 500 dólares de uma associação de brasileiros que promovia bailes de carnaval para angariar fundos para projetos sociais. Com este dinheiro e a ajuda de uma voluntária canadense, fez um projeto inicial,. “Muita gente gostou por não expelir fumaça dentro de casa”, mas ainda não era o fogão ideal, porque era ineficiente em termos de energia, já que havia uma chapa – “um obstáculo” – entre o fogo e a panela. Nesse meio tempo, Rogério mudou-se para a Nicarágua. E aí veio o devastador furacão Mitch que, em 1998, destruiu boa parte dos países da América Central. “Tínhamos uma parceria com uma ong americana, a Trees, Water and People, e ela, para ajudar na reconstrução do país, mandou alguns voluntários especializados em combustão de madeira.” Os voluntários trouxeram um modelo de fogão com câmara de combustão americana do tipo rocket stove. “Fizemos adaptações no fogãozinho, que era bem simples, mas bastante eficiente, pois usava os princípios básicos da física para aumentar a eficiência da combustão”, lembra Miranda. Com o projeto desse novo modelo, pediram financiamento ao governo americano e receberam da agência de desenvolvimento Usaid 140 mil dólares para montar uma fábrica e comercializar o que batizaram de ecofogão, por ser econômico e ecológico.
Tortilla – O ecofogão é constituído de uma chapa de ferro inteira, em cima de uma caixa com estrutura metálica, revestida de uma lâmina galvanizada. Dentro, há um cachimbo de cerâmica, que é preenchido com isolante térmico. Em Honduras, foi usado como isolante cinza de madeira; na Nicarágua, pedra pome, que é fácil de ser encontrada, por causa dos muitos vulcões no país. No Brasil, é usado lã de rocha ou fibra de vidro. “Este é um projeto ambiental e social, para melhorar a vida das pessoas”, diz o engenheiro, lembrando de um caso que ilustra a sua afirmação. “Na Nicarágua, nas camadas mais pobres da população, é comum os homens abandonarem as mulheres e ir embora. A mulher, que já é pobre, fica sem trabalho, sem recursos e com a casa cheia de crianças. Daí que muitas delas vão para o fogão fazer feijão e tortillas, a base da alimentação deles, para vender. O pessoal tem o hábito de comprar o feijão pronto, ao invés de fazer em casa. Então, chega a hora do almoço ou do jantar, vai à casa do vizinho e compra uns três copos de feijão e umas 10 tortillas. Chega em casa, mistura com arroz e banana frita. Esta é a refeição deles. De cada 10 ou 15 casas, uma se dedica a vender feijão com tortillas. E são estas mulheres que estão se beneficiando mais do ecofogão.”
Prêmio – Como era caro para os padrões nicaraguenses, o equivalente a 60 dólares, uma organização inglesa se interessou em subsidiar o ecofogão para ajudar estas mulheres. Com isso, ele passou a ser vendido a 30 dólares. E fez com que a ong Pró-Leña, concorrendo com outros 600 projetos, recebesse das mãos do príncipe Charles, em Londres, no ano passado, o The Ashden Awards. O Banco Mundial também se interessou pelo fogão e subsidiou novas unidades, que foram vendidas à parcela mais pobre, a preços bem baixos. Ao todo, foram comercializados cinco mil na Nicarágua . No Brasil, o ecofogão foi introduzido com o apoio da Agência Brasileira de Cooperação Internacional –ABC- e da Universidade Federal de Viçosa, UFV, e já está sendo vendido em três versões, a preços que vão de R$195,00 a R$400,00. “O interessante é que aqui no Brasil a classe média usa fogão de lenha”, comenta Miranda, arrematando “na Nicarágua, fogão de lenha é coisa de pobre.”