A cozinha é um lugar especial para os mineiros. Melhor ainda se houver um fogão à lenha.
Minas Gerais, 26/06/2004
A lenha arde no fogo. Ainda é assim em muitas casas mineiras. O ritual do encontro. A família e os amigos reunidos. A comida preparada em conjunto. E que gosto mais mineiro. O fogão à lenha é o cenário perfeito para nossos pratos mais típicos, receitas com sabor de história. No século XVIII, os moradores da província estavam muito preocupados com o ouro. E tinham pouco tempo para o cultivo da terra. A solução estava nos quintais.
“O costume de se comer porco é uma facilidade que se tem da própria migração, de se ter um animal menor e de você ter no próprio quintal um espaço onde você pode ter um animal deste porte”, explica José Newton Coelho Menezes, historiador.
As receitas foram surgindo com a influência de culturas diferentes. Dos índios, negros e portugueses.
Essa união de conhecimentos e tradições deu origem a vários pratos. Por exemplo, com os índios, aprendemos a comer milho. E com o milho fazemos o angu, tão comum na nossa mesa. Dos negros, ficou o hábito de misturar os alimentos. E daí surgiu a vaca atolada.
“Quando você junta a mandioca e a carne, você está juntando uma produção mais fácil, mais barata, com um produto mais nobre”, conta o historiador.
Por falar em mistura, existe uma outra que também é tipicamente mineira. A canjiquinha de milho com costelinha ou frango, e couve.
A couve é herança dos escravos. E os doces de ovos, como a ambrosia, são típicos dos conventos portugueses. Também veio da então metrópole o costume de fazer doces com frutas em calda, em compotas.
“Ele (o doce) é uma forma de conservação da fruta no período em que ela não está sendo produzida naturalmente, e estas necessidades acabaram se transformando em gostos”, comenta José Newton.
E também se transformou em gosto uma comida que surgiu da necessidade dos tropeiros.
“Esta mistura do tropeiro com a farinha é que torna o alimento mais seco e mais fácil de carregar. É um costume tropeiro que se transforma em uma tradição”, esclarece.
Tutu, lingüiça, arroz com queijo numa panela da pedra. Uma mistura de sabores, cores e aromas. Quem não conhece Minas Gerais pode pensar que todas essas delícias juntas a gente só encontra nos restaurantes de comida típica. Mas almoço numa casa mineira é assim mesmo, todo dia. E de preferência com a família reunida.
Dona Stela conhece como poucos os segredos da culinária mineira. Arte que ela domina não apenas em casa, mas também nos livros que já escreveu.
“Sempre gostei de cozinhar, nunca fiz curso nenhum de cozinha, mas só de ver a minha mãe, minha avó cozinhando eu aprendi. O que acontece agora é que as filhas hoje cozinham e espero que as netas também”, conta Stela Libânio Christo, escritora.
E é assim que se mantém a tradição da culinária mineira. Receitas, sabores que atravessaram séculos, nos velhos cadernos de receita, na memória das donas de casa. E mesmo sem que a gente se dê conta, é a historia de Minas, todo dia, na mesa da nossa casa.