Projeto em Alagoas pretende reduzir em pelo menos 40% o volume de madeira usada como combustível para cozinhar.
MURICI – A pobreza é um dos combustíveis do desmatamento. A madeira alimenta fogões de famílias de baixa renda no país porque é gratuita ou muito barata. Somente no Nordeste, entre Alagoas e o Rio Grande do Norte, este uso representa um consumo anual de 5,6 mil hectares de mata, de acordo com estimativa de Severino Rodrigo Ribeiro, diretor de Projetos do Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan), sendo que apenas 20% são de origens consideradas sustentáveis. Para diminuir este impacto, pesquisadores, ONGs e empresas envolvidas no Programa Produzir e Conservar pretendem difundir fogões mais eficientes, que consomem menos árvores.
– Só em Pernambuco, a queima de lenha lança cerca de 250 mil toneladas de dióxido de carbono na atmosfera – salientou Ribeiro.
Na primeira quinta-feira de maio, o último dos 80 fogões que demandam menos lenha foi instalado em Murici, em Alagoas. Eles foram entregues a famílias de pequenos produtores rurais em dois assentamentos da cidade. Nos próximos seis meses, pesquisadores vão verificar em campo qual foi a queda do consumo de madeira. Estes dados serão comparados com a pesquisa feita antes da entrega dos novos fogões.
A expectativa é que a economia registrada seja superior a 40%, podendo ultrapassar 60%. Diminuir a retirada de árvores é fundamental, sobretudo porque a Mata Atlântica do Nordeste já perdeu 90% de sua cobertura original. Os 10% remanescentes estão dispersos, em florestas isoladas, geralmente no topo de morros e ocupando menos de 100 hectares. A maior área de mata contínua tem somente 3,5 mil hectares, informa o Cepan.
De quebra, são esperados benefícios à saúde das pessoas que costumam usar lenha. Em geral, mulheres e crianças, estas pela proximidade com as mães. Além queimar menos madeira, ter menos emissão de gases-estufa e de material particulado, os novos fogões dispõe de chaminés.
Assim, quem prepara alimentos deixa de respirar fumaça.
Os coordenadores do projeto esperam, como próximo passo, fazer com que as próprias comunidades produzam seus fogões.
– Seria um fracasso se ficássemos somente nestes 80 fogões – disse Ribeiro. – Nos próximos seis meses, vamos desenhar como dar escala ao projeto. No México, onde esta experiência com os fogões ecológicos foi bem sucedida, a capacitação do primeiro grupo de pessoas que construíram seus fogões levou de oito meses a um ano.
O desenho do fogão não é complicado. O fogo é produzido numa câmara de cerâmica, concentrando o calor que é transmitido para a chapa de aço, na parte de cima. Sobre ela, são colocadas as panelas, e há espaço para três. A fumaça da combustão da lenha segue por uma chaminé. Isso gera um fluxo de ar constante, que potencializa a queima da madeira. Desta forma, o fogão consegue aproveitar melhor o calor gerado, garantir a queima eficiente da madeira, criar um fluxo de ar que alimente a combustão e evitar fumaça para quem opera o fogão.
A novidade foi recebida em janeiro com desconfiança por Maria José da Silva, de 42 anos. Sua família tem 12 pessoas: além dela, o marido e dez filhos.
– No começo, achei estranho, mas me acostumei. Faço até bolo, mesmo sem ter forno – atestou
Maria José. – Eu precisava de lenha toda semana. Com este fogão, pego madeira a cada 15 dias.Nem preciso de carroça.
Além de gastar menos lenha, as famílias que têm o fogão ecológico enfrentam menos problemas respiratórios. A presidente da Associação Comunitária de Projeto de Assentamento Dom Helder Câmara, Maria Rita Rosa dos Santos, a irmã Rita, que completa 40 anos nesta terça-feira, chega a se emocionar ao relatar um caso em que precisou prestar socorro a uma criança numa noite de chuva e muita lama. Ambos assentamentos ficam em locais de difícil acesso, distantes da rodovia que leva ao Centro de Murici. Depois deste dia, ela comprou dois nebulizadores.
– Desde de que recebemos os fogões, em janeiro, só usamos os nebulizadores duas vezes. Agora, não tem mais fuligem. Antes, era comum ter uma criança sem conseguir respirar direito – disse Rita.
A compra e a distribuição dos 80 fogões ecológicos representou um investimento de R$ 36 mil. O projeto, coordenado pelo Cepan, contou ainda com o apoio da Associação para a Proteção da Mata Atlântica do Nordeste (Amane), do Programa Produzir e Conservar — fruto da parceria da ONG Conservação Internacional Brasil com a empresa Monsanto —, além de financiamento do Fundo
Ecomundança do Itaú.
Diretor de Biomas da Conservação Internacional, Luiz Paulo Pinto ressalta que o projeto dos fogões tem como um dos pressupostos o entendimento de que os moradores dos assentamentos precisam de um combustível de baixo custo. Não adianta oferecer soluções ambientais que aumentem o custo de vida:- Ações como essa em Murici são fundamentais e promissoras para reverter o processo de degradação dessa região da Mata Atlântica – diz.
Somente no Produzir e Conservar, a ONG planeja investir US$ 13 milhões em cinco anos, sendo que três deles já passaram. Mesmo valor é gasto pela Monsanto. A empresa aproveitou, ainda, sua equipe de vendedores para levar projetos ambientais a produtores, inclusive os grandes. A gerente de sustentabilidade da multinacional — que tem no Brasil seu segundo maior mercado —, Gabriela Burian, entende que soluções como esta, na qual pesquisadores, ONGs, empresas e produtores se engajam, ajudarão a definir os modelos de economia verde, um dos principais temas da Rio+20.
* O REPÓRTER viajou a convite do Projeto Produzir e Conservar